quarta-feira, 8 de junho de 2011

A fábula da morte

A morte, então, levantou bem cedinho para iniciar o seu trabalho. Tomou um café bem amargo; vestiu seu sobretudo pesado e fosco, passou mão em lápis, borracha e caderno – sim, ela precisa anotar e, às vezes, apagar; é que, às vezes, um certo Senhor interfere e não a deixa fazer seu trabalho – e saiu pelo mundo à fora.
Como constava em sua lista, levou o Zé Miolo que dormia, agonizando, de baixo de uma ponte, no centro da cidade; chegando ao cruzamento da rua principal, esperou: pegou, bem no meio da faixa de pedestre, Luizinho: apenas treze anos, estava a caminho da escola, mas não olhou para os dois lados, ao atravessar; prosseguiu, então, e chegou à Santa Casa: ali, sim, ela tinha muito trabalho. Somente na enfermaria de cardiologia, ela catou o Henrique, a Luzia, Eraldo e o pequeno Gabriel – esse foi mais difícil, a mãe não queria deixá-lo ir. No segundo andar, procurou por Elias, mas ele não estava por ali: tinham-no transferido para o CTI. Tudo bem! Teria mesmo que ir até lá, Sr. José Ivas a esperava há dias. No CTI, sem maiores problemas, os dois foram levados por ela.
O dia esta por findar-se, mas, ainda tinha uma última busca: Leon. Homem humilde, portador de doença crônica, chegará sua vez.
A morte não bate na porta – apesar de ingênuos explicitarem essa blasfêmia – ela não corre, ela não faz alarde. A morte chega. E, para Leon, ela chegou nesse dia. A morte, então, entra e vai direto ao leito de Leon – a morte sempre nós encontra, conhece todos os nossos passos, sabe onde vai nos encarar. 
Ops! Cadê Leon? Não estava na cama. Não deveria fazer muito tempo que Leon saíra, ainda estava quente, desarrumado e com sangue fresco no lençol - sim, ela sabia! Encontrou Leon ajoelhado; uma mão no peito e outra na imagem de Nossa Senhora; havia sangue em sua roupa, não muito, proveniente de suas feridas. Mas ela não se suja, não carrega peso, não tem dó. Ela só faz seu trabalho.
A morte estendeu seus braços longos e fortes em direção a Leon. Ele, nesse momento, suou frio, seu coração acalentou-se ao extremo, bambeou as pernas.
- Virgem mãe de Deus, rogai por mim! Leon, com voz tremula e suave, exclamou em tom audível, até para a morte(!). E, vale frisar, a morte nunca nós escuta.
E não é que a morte congelou! Ela sabia o que estava acontecendo. Não era a primeira vez...
- O senhor é quem decide. – Exclamou, também, a morte.
Ela sabia que Leon não iria naquele momento. O Senhor não permitiu. Ela não é má; não faz nada por mal; esse é apenas o trabalho dela.
A morte voltou para casa. Feliz por não conhecer mais um filho de Deus(?).
Rodrigo Davel – Cachoeiro de Itapemirim, 04 de junho de 2011